Como já devem ter reparado eu gosto muito de poesia.
Eu já escrevi sobre a Sophia de Mello Breyner Andresen e hoje faço uma pequena homenagem a quatro poetas portugueses: Cesário Verde, Florbela Espanca, António Feijó e Fernando Pessoa.
Cesário Verde (1855 - 1886)
"De Tarde"
Naquele pique-nique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão - de - bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via,
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
Florbela Espanca (1894 - 1930)
" Se tu viesses ver-me..."
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca...o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte...os teus abraços...
Os teus beijos...a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri.
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
António Feijó (1859 - 1917)
" O Amor e o Tempo"
Pela montanha alcantilada
Todos quatro em alegre companhia,
O Amor, o Tempo, a minha amada
E eu subíamos um dia.
Da minha amada no gentil semblante
Já se víam indícios de cansaço;
O Amor passava-nos adiante
E o Tempo acelerava o passo.
- "Amor! Amor! mais devagar!
Não corras tanto assim, que tão ligeira
Não pode com certeza caminhar
A minha doce companheira!"
Súbito, o Amor e o Tempo, combinados,
Abrem as asas trémulas ao vento...
- "Porque voais assim tão apressados?
Onde vos dirigis? " - Nesse momento,
Volta-se o Amor e diz com azedume:
- "Tende paciência, amigos meus!
Eu sempre tive este costume
De fugir com o Tempo... Adeus! Adeus! "
Fernando Pessoa (1888 - 1935)
" Autopsicografia"
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração. "
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